quarta-feira, 28 de abril de 2010

Há sossegos do campo na cidade. Há momentos, sobretudo nos meios-dias de estio, em que, o campo, como um vento, nos invade. Que bom à alma ver calor, sob um alto quieto, estas carroças com palha, estes caixotes por fazer, estes trauseuntes lentos, de aldeia transferida! Eu mesmo, olhando-os onde estou só me trausmuto: estou numa vila quieta da província, estagno numa aldeola incógnita, e porque me sinto outro sou feliz.
Bem sei: se ergo os olhos, está diante de mim a linha sórdida da casaria, as janelas por lavar de todos os escritórios, as janelas sem sentido dos andares mais altos onde ainda se mora, e, a roupa de sempre, ao sol entre vasos e plantas.
Sei isto, mas é tão suave a luz que doura tudo isto, tão sem sentido o ar calmo que me envolve, que não tenho razão sequer visual para abdicar da minha aldeia postiça, da minha vila de província onde o comércio é um sossego.

E, subitamente, outra coisa me surge, me envolve, me comanda; vejo por detrás do meio-dia da vila toda a vida em tudo da vila; vejo a grande felicidade estúpida da vida doméstica, a grande felicidade estúpida da vida nos campo, a grande felicidade estúpida do sossego na sordidez. Vejo, porque vejo. Mas não vi e desperto. Olho em roda, sorrindo, e, antes de mais nada, sacudo os cotovelos do fato, infelizmente escuro, todo o pó do apoio da varanda, que ninguém limpou, ignorando que teria um dia, um momento que fosse, que ser a amaurada sem pó possível de um barco singrando num turismo infino.

O livro do Desassossego

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