quarta-feira, 28 de abril de 2010

Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-iamos, se a tivéssemos. O perfeito é o desumano, porque o humano é imperfeito.
O ódio surdo ao paraíso - o desejo como o da pobre infeliz de [que] houvesse campo no céu. Sim, não são is êxtases do abstracto, nem as maravilhas do absoluto que podem encantar uma alma que sente: são os lares e as encostas dos montes, as ilhas verdes nos mares azuis, os caminhos através das árvores e as largas horas de repouso nas quintas ancestrais, ainda que as nunca tenhamos. Se não houver terra no céu, maus vale não haver céu. Seja então tudo o nada, e acabe o romance que não tinha enredo.
Para poder obter a perfeição fora precisa uma frieza de fora do homem e não haveria então coração de homem com que amar a própria perfeição.
Pasmamos, adorando, da tensão para o perfeito dos grandes artistas. Amamos a sua aproximação do perfeito, porém a amamos porque é só a aproximação.

Fernando Pessoa
Livro do Desassossego

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