quinta-feira, 10 de junho de 2010

Viagem nunca feita I

-Naufrágios? Não, nunca tive nenhum. Mas tenho a impressão de que todas as minhas viagens naufraguei, estando a minha salvação escondida em inconsciências intervalantes.
-Sonhos vagos, luzes confusas, paisagens perplexas - eis o que me resta na alma de tanto que viajei.
Tenho a impressão de que conheci horas de todas as cores, amores de todos os sabores, ânsias de todos os tamanhos. Desmedi-me pela vida fora e nunca me bastei nem me sonhei bastando-me.
-Preciso explicar-lhe que viajei realmente. Mas tudo me sabe a constar-me que viajeis, mas não vivi. Levei de um lado para o outro, de norte para sul... de leste para oeste, o cansaço de ter tido um passado, o tédio de viver um presente, e o desassossego de ter que ter um futuro. Mas tanto me esforço que fico todo no presente, matando dentro de mim o passado e o futuro.
-Passeei pelas margens dos rios cujo nome me encontrei ignorando. Às mesas dos cafés de cidades visitadas descobri-me a perceber que tudo me sabia a sonho, a vago. Chegarei a ter ás vezes a dúvida se não continuava sentado á mesa da nossa casa antiga, imóvel e deslumbrado de sonhos! Não lhe posso afirmar que isso não aconteça, que eu não esteja lá agora ainda, que tudo isto, incluindo esta conversa consigo, não seja falso e suposto. O senhor quem é? Dá-se o facto ainda absurdo de não o poder explicar...

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